sábado, 10 de maio de 2008

AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

AGRICULTURA SUSTENTÁVEL E COMPETITIVA




O produtor agrário desempenha atividades diretamente associadas com a natureza.
De acordo com Creason e Runge (1994), ele necessita dispor de conhecimentos sobre tipos
de solos, topografia, clima e uso de variedades de sementes e de híbridos. Deve considerar
as opções de cultivo e o uso de fertilizantes químicos e pesticidas, bem como seus impactos
nos diversos tipos de solo. Deve, ainda, esforçar-se por conservar os ativos de seu negócio,
incluindo aí os solos e as reservas de água, com vistas ao seu uso futuro. O produtor agrário
confronta-se diretamente com vários elementos do meio ambiente.


Os produtores agrários, como homens de negócio, tomam decisões com base em
informações recebidas de diversos mercados e de outras fontes. Parte dessas informações
inclui os preços dos insumos, preços dos produtos da lavoura e da pecuária, taxas de juros,
políticas para o setor agropecuário e políticas de meio ambiente dos governos federal,
estadual e municipal. Eles devem considerar ainda a variedade de forças que sinalizam o
que plantar e como faze-lo. Aí estão incluídas as condições dos solos e das águas, os tipos
de demanda dos compradores (agroindústrias, super-mercados, feirantes), as
recomendações dos técnicos públicos e privados e, quando existem, levar em conta as
relações com centros de pesquisa e universidades. Pela variedade e quantidade de
informações, depreende-se que nem sempre os sinais são consistentes, mas muitas vezes
contraditórios, o que revela a complexidade de escolhas para a tomada de decisão.


Numa situação dessas, como o agricultor poderá compatibilizar a competitividade
econômica com a sustentabilidade ambiental ? Em outras palavras, como ele poderá
manejar uma agricultura sustentável que seja também competitiva nos mercados?


De um lado, o produtor está envolvido no processo de abertura da economia
nacional para o exterior, sendo que os preços, as quantidades e a qualidade e os
requerimentos de distribuição exigidos internacionalmente lhe são dados como parâmetros.
Relativamente às décadas anteriores, as políticas públicas tornaram-se mais frágeis, quando
não desapareceram, no que se refere à ajuda financeira, à assistência técnica e à estocagem,
exigindo-lhe um maior espírito empresarial. A abertura da economia não só lhe acena com
as exportações, mas também com importações, e ainda com a competição de outras regiões
do próprio país. Ora, tudo isso o obriga a considerar um número bem maior de variáveis na
tomada de decisão.


De outro lado, o produtor se acha envolvido com os efeitos nocivos crescentes do
modo agrícola de produzir: o uso de pesticidas e fertilizantes químicos, a erosão dos solos e
a contaminação das águas; as exigências dos consumidores - como opinião pública e como
midia - preocupados com a saúde, portanto, com a qualidade dos alimentos. Tudo isso o
obriga a levar em conta os impactos de sua atividade no meio ambiente.


É evidente que não há uma resposta simples à questão de como compatibilizar uma
agricultura sustentável e com uma agricultura competitiva. O que vale a pena ressaltar, de
momento, é que uma resposta realista e atual tem que “percorrer” a sociedade toda: um
circuito de fluxos que conforma um sistema amplo, que relaciona as decisões individuais
dos agricultores com as dos outros grupos da sociedade, suas organizações e instituições.


Inúmeras forças interagem, influenciando as decisões no âmbito das unidades
produtivas agrárias. Essas decisões geram fluxos de produtos (leite, carne, grãos, madeira) e
de matérias-primas; geram também fluxos externos aos sítios e fazendas, positivos ou
danosos, que recaem sobre o meio ambiente - as externalidades. A quantidade e a qualidade
de alimentos e de outros produtos das atividades agrárias, juntamente com os “serviços”
prestados pelas florestas, como a água limpa e o ar puro, fluem para a sociedade como um
todo, afetando a opinião que as pessoas tem sobre as atividades agrárias; o que, por sua vez,
afeta os sinais recebidos pelas instituições e organizações associadas à agricultura.



AS EXTERNALIDADES E AS ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA



O tratamento dado aos efeitos do funcionamento do mercado sobre nossa vida,
recebe em economia a designação de externalidades. Heilbroner (1994) exemplifica: as
altas contas de lavanderia e de serviços de saúde dos residentes de Pittsburgh antes que a
poluição das usinas siderúrgicas fosse controlada. Esses custos são “externos” na medida
em que, diferentemente dos custos “internos” do trabalho e da matéria-prima, pagos pelas
siderúrgicas, os custos da poluição são “pagos” pela população externa ao processo de
produção. Dessa forma, os produtores de aço não têm incentivo para reduzir a poluição, já
que não pagam as contas de lavanderia e de serviços de saúde por eles provocados.


O mecanismo de mercado, prossegue Heilbroner, não serve adequadamente a um
dos propósitos a que se propõe, qual seja, o de apresentar à sociedade uma avaliação
acurada dos custos relativos de produzir coisas. Suponhamos que existam duas maneiras de
produzir aço, uma delas limpa, mas cara, e a outra, poluidora, mas barata. A concorrência
levará os produtores a escolher a mais barata e alguém dirá que o mercado ajudou a
sociedade a aumentar a eficiência de suas operações. No entanto, se as contas de lavanderia
e de serviços de saúde fossem acrescentados ao custo de produção, pode ser que o processo
mais limpo fosse o mais barato.


Em princípio, não existe nenhum ato de produção que não tenha efeitos externos,
positivos ou negativos. A construção de uma casa horrenda faz cair o valor das
propriedades da rua; um país passa por um forte crescimento econômico e com isso acelera
o aquecimento global; já uma empresa que aperfeiçoa um produto e abre novos horizontes
para aqueles que o utilizam é, em grande parte, uma questão de externalidades favoráveis.
Levar em conta todos os custos e benefícios externos da produção, diz nosso autor, seria
impossível. No entanto, não faze-lo pode significar uma distorção séria de nossa avaliação
dos custos e benefícios da produção. O desmatamento excessivo, a pesca predatória, o
consumo excessivo de gasolina, são exemplos de insucessos em incluir nos preços todos os
custos de produção. O mesmo se pode afirmar dos efeitos da sujeição dos trabalhadores a
rotinas embrutecedoras e a remunerações aviltantes: o custo social de tais externalidades
não é levado em conta.


Dessa forma, as externalidades solapam uma das mais queridas funções do mercado:
orientar os recursos para usos mais racionais. O que não quer dizer que o mercado seja
refratário a qualquer tipo de regulação. O governo proíbe pesticidas que são lucrativos para
a indústria, porque nocivos quando utilizados na agricultura, podendo, até mesmo, lançar
mão de impostos e subsídios para reduzir os efeitos externos negativos, mudando, assim, a
direção em que apontava a seta econômica. Há diversas maneiras de regular e de
institucionalizar as forças de mercado. Suécia e Japão têm maneiras distintas da dos EEUU.
E mais ainda, considerações acerca de tecnologia, da situação política das indústrias
afetadas e da sensibilidade nacional, são fatores que desempenham um papel na
determinação do grau em que somos vítimas da dinâmica do mercado, bem como
beneficiários dela.


Desse ponto de vista, diz Heilbroner, as externalidades transformam-se num
território no qual se trava a guerra de fronteiras entre a esfera privada e a esfera pública.
Na medida em que a produção é, em grande parte, embora não inteiramente, realizada na
esfera privada, é aí que as externalidades tendem a se gerar; e na medida em que seus custos
se apresentam como custos impostos sobre os cidadãos, sua correção torna-se uma causa de
ação na esfera pública.


Dessas ponderações, creio que vale a pena reter duas idéias. Primeira: o circuito
social das decisões individuais dos agricultores os obriga a compatibilizar agricultura
sustentável com agricultura de mercado, e que essa compatibilização passa pela guerra de
fronteiras entre as esferas privada e pública. Essas fronteiras não estão delimitadas; antes,
algo borradas, o que, na prática, favorece as decisões privadas em detrimento da
sustentabilidade, que requer a participação da esfera pública. Por outro lado, não se pode
menosprezar a existência de numerosas organizações sociais que exigem a aplicação da
condição de sustentabilidade.


No comércio mundial agrícola surgem, aqui e acolá, indícios de condicionalidades
ecológicas e de equidade para a aquisição de alguns produtos. Mas, tudo leva a crer,
estamos ainda num estágio larval, do qual as instituições são um exemplo: não se conta
com um conjunto de estruturas e regras, formais e informais, capaz de proporcionar alguma
estabilidade às expectativas dos indivíduos, grupos e organizações sociais em suas
interações nos mercados, que leve em conta a sustentabilidade.


A segunda idéia é a de que a guerra de fronteiras tem seu núcleo nas externalidades.
O que pode nos levar a uma resposta apressada à pergunta: quem deveria arcar com os
custos dos efeitos negativos das externalidades ? O setor público ou o setor privado? Ora,
os custos do aquecimento global, os custos da poluição das águas e dos solos e dos
alimentos, os custos da erosão dos solos, e outros mais são, a um só tempo, custos privados
e públicos e, portanto, sua resolução é, à luz do princípio da sustentabilidade, uma questão
de resolução conjunta. Tanto a internalização dos efeitos ambientais na estrutura dos custos
de produção quanto a internalização dos custos sociais requer uma “paz de fronteiras”
mediante a criação de uma nova concepção do que venha a ser a esfera pública. Que não
existe, mas está em efervescência no caldeirão da história.




O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A sustentabilidade é um problema multidimensional. A Unesco (1995) define
desenvolvimento sustentável como aquele que permite responder às necessidades presentes
sem comprometer a capacidade das futuras gerações em responder às suas próprias
necessidades. A amplitude da definição requer algumas qualificações.


Desenvolvimento sustentável significa ir mais além da manutenção e a ampliação
do capital econômico (máquinas, matérias-primas, finanças). Significa levar em conta
também o capital humano: os conhecimentos técnicos e gerenciais e sua disseminação
através da educação. Mas significa também levar em conta o capital natural. Por
conseguinte, desenvolvimento sustentável implica em pensar no uso, obsolescência,
depreciação dos três tipos de capital. No caso do capital natural, implica em perguntar
como evitar a poluição da água, da terra e do ar em que vivemos e dos quais depende nosso
trabalho? como evitar a exaustão dos recursos renováveis que são essenciais à produção?
como tratar os recursos não renováveis? São questões que ultrapassam em muito a escala da
economia, e nos obriga a repensar a contabilidade micro e macroeconômica
(Hauwermeinenn, 1998).


A Unesco arrolou uma série de características do desenvolvimento sustentável que,
de fato, quer dizer: devemos construir uma outra sociedade, ou, em outros termos, devemos
construir uma sociedade inovadora. Curiosamente, vários autores da Comissão Econômica
para a América Latina (Cepal) e da Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (Ocde), que se dedicaram a estudar a competitividade, chegaram a conclusões
semelhantes. Para essas entidades, a competitividade está centralizada no sistema
sociocultural e não apenas no sistema econômico.


Esse novo enfoque pode ser resumido em dois pontos: “(i) os novos imperativos
tecnológicos, organizacionais, institucionais, legais, políticos e culturais se impõem como
elementos que prescrevem o pensamento e a ação contemporâneos, e que tornam possível
desenhar as configurações futuras dos sistemas socioculturais, e (ii) a competitividade
ganha força nas relações que estabelece com outros conceitos (ecologia e equidade) e com
outros valores sociais (democracia, direitos humanos e participação social)” (Müller, 1995).
A aplicação desse enfoque implica na mudança de mentalidades e comportamentos de todos
os grupos sociais.

A sobreposição de aspectos que caracterizam a competitividade e a sustentabilidade
não é casual, assim como não o é a sobreposição com os aspectos da equidade. Por outro
lado, não é casual a indefinição de limites entre o privado e o público, que assinalamos
acima, mas, sim, um sinal dos tempos. Tudo isso parece indicar a existência de uma enorme
área conflitiva, complexa e pouco clara, na qual misturam-se os interesses ecológicos,
econômicos e de justiça social. Em todo ocaso, é nessa mistura que se acha imersa a
categoria de agricultura sustentável. Mas, mistura não implica em uns interesses serem
redutíveis em outros, de maneira que a sustentabilidade não pode ser reduzida a uma visão
econômica dos processos de mudança, nem a uma visão ecológica e tampouco a uma visão
de equidade.


Em síntese, pode-se dizer, com base em Daly (1996), que o desenvolvimento
sustentável possui uma lógica econômica (mercados, regulações e competitividade), uma
lógica de equidade (moral, justiça e solidariedade) e uma lógica de sustentatabilidade
(ecossistemas, biosfera). Essas lógicas – forças sociais que imprimem uma direção à vida
coletiva - não são redutíveis umas às outras e que, para sua operação na prática, requerem
negociações de ordem política, vale dizer, negociações sobre como podemos viver juntos
nessa diversidade de interesses, visões do presente e aspirações em relação ao futuro.


A sustentabilidade ambiental implica numa institucionalização e numa adoção de
um código de práticas, acompanhado de uma legislação no nível nacional ou regional, com
vistas a controlar a coleção, manuseio e exportação de material biológico, com a supervisão
de organizações de profissionais habilitados. Os governos e as associações não
governamentais devem trabalhar em conjunto para criar ferramentas que incluam o
conhecimento local para desenvolver atividades baseadas na liderança local. A
participação, a localidade, a região, a pesquisa científica com os conhecimentos do
pessoal da região, são ingredientes fundamentais para uma estratégia sustentável, propõe
a Unesco. Neste sentido, o emprego do modelo de análise tradicional de custo-e-benefício
mostra-se muito limitado. Já se dispõe de modelos de contabilidade que incluem as
variáveis ecológicas, o que já é um avanço.




AGRICULTURA SUSTENTÁVEL E COMPETITIVA, INSTITUIÇÕES E PLANO



O crescimento sustentado da agricultura depende da preservação dos recursos
naturais e do meio ambiente, e do aumento contínuo e eficiente da produção ou, em outros
termos, depende de uma rede de relações organizações/instituições que conecte
sustentabilidade com produtividade. A preocupação básica com o aumento contínuo e
eficiente da produção está associada com a preocupação em evitar a destruição dos recursos
naturais e a deteriorização do meio ambiente. A sustentabilidade mostra-se, assim, como
um princípio cuja realização implica na ação coletiva e na organização de conjuntos
estabilizadores de expectativas, as instituições, o que pressupõe algum tipo de diretriz, de
plano ou planejamento.


O pressuposto não pode ser menosprezado. Todo o processo coletivo inovador
vincula-se a um plano. Não há nisso novidade alguma. No que respeita ao desenvolvimento
agrícola, a aplicação do plano revolução verde dos anos 50 e 60 estava associada á meta de
mudança rural ou, como era então designado pelos técnicos, de “desenvolvimento rural
integrado”. Tratava-se, segundo a literatura norte-americana disseminada à época, de um
intento deliberado, não só de incrementar a produção agrícola em uma zona rural, mas
também de melhorar a comercialização de insumos e produtos e a qualidade da vida rural
(World Banck-Iica, 1994).


Mas a idéia de um plano acabado, pronto, contém uma pretensão que não passa de
simplismo anacrônico, porque não considera a complexidade contemporânea que requer
soluções complexas, portanto, soluções não completas. Vale a observação de Matus (1991):
“nenhuma técnica de planificação é segura diante da incerteza do mundo real e, enfim,
devemos nos apoiar em nossa capacidade para acompanhar a realidade e corrigir a tempo
nossos planos. Por isso, muito mais importante que formular um plano é “a capacidade
contínua de planificação para refazer os cálculos a tempo e toda vez que as circunstâncias
o exigirem”.


Um plano que visa por em prática o princípio da sustentabilidade, através de uma
ação coletiva e institucional, envolve a esfera pública (estatal e não-estatal), bem como a
esfera privada da sociedade, direta e indiretamente relacionadas com o objetivo. A
formulação de um plano e sua implementação, face à incerteza do mundo real, requer a
participação ativa dos sujeitos, lideranças e organizações. Essa participação é condição
imperativa à consecução dos objetivos. Participação direta ou via representação;
participação informal ou via contrato formal; participação na unidade produtiva agrária ou
no âmbito organizacional - participação no sentido de direitos e deveres, de aceitação de
regras e normas, e também de engajamento numa coisa na qual o indivíduo joga com seu
ativo agrário imerso numa nova esfera pública, não pronta, mas a ser construída. Essa
construção ocorre em circunstâncias de incerteza, mas nas quais os indivíduos, como
núcleos de tomada de decisão, e as instituições, como núcleos de estabilização de
expectativas, imprimem sua certeza.


A territorialização de um plano de agricultura sustentável ou a inclusão desta num
plano de desenvolvimento regional está associada, de um lado, à exigência do indivíduo e
das instituições exercerem um comando, um controle que, nas atuais circunstâncias, seja o
mais eficiente possível, dadas as interações entre ecologia, competitividade e equidade e, de
outro, ao reconhecimento de que o indivíduo faz e a instituição estabiliza. É nesse sentido
que a territorialização seria a realização da descentralização na globalização.


Uma região ou um sistema regional (microbacia, consórcio inter-municipal) deverá
ser capaz de encaminhar tanto as externalidades produzidas pelas unidades de produção
agrária como os custos sociais próprios do funcionamento de uma agricultura sustentável.
Pode-se, agora, retomar a noção de sustentabilidade e dar-lhe uma formulação mais
sistemática, como a formulada por Becker (1995): a essência da noção de sustentabilidade
reside na sinergia e na qualidade total do uso do território, alcançado segundo três
princípios básicos: a eficácia econômica mediante o uso de informação e tecnologia em
atividades e produtos poupadores de matérias-primas e energia, e sua reutilização; a
valorização da diversidade, visando as vantagens competitivas; a descentralização,
entendida como discussão entre os atores envolvidos no processo para o estabelecimento de
direitos e deveres.










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