sábado, 10 de maio de 2008

Milho Orgânico:

Alta Produtividade e Viabilidade Econômica: Um Convite aos Grandes e Pequenos Produtores

DÚVIDAS PERTINENTES ?

Durante o XXIV Congresso Brasileiro de Milho, na minha apresentação das atuais técnicas de produção orgânica, constatei que várias dúvidas são comuns a grandes e pequenos agricultores, e a técnicos da pesquisa e da extensão. Vejamos algumas das principais:

-produção orgânica é viável apenas para pequenos agricultores familiares?;
-como obter esterco suficiente para uma grande área?;
-como resolver sem venenos tantos problemas de pragas, como lagartas e carunchos, que atacam a moderna plantação de milho?;
-como é possível se livrar do herbicida e não sucumbir diante das chamadas plantas daninhas?;
-será que vamos depender de capina manual? E as plantações maiores, como ficam ?;
-como manter a alta produtividade já obtida com o uso intensivo de adubo químico?;
-a idéia é bonita, mas existe viabilidade econômica? Existe mercado?
-como fazer a mudança para orgânico? De uma vez ou aos poucos?
-como conviver com um vizinho tradicional? As pragas não vão fugir todas para minha plantação orgânica?
São dúvidas pertinentes e comuns a quem ainda não conhece profundamente o assunto e não convive com produção orgânica bem feita. Comecemos lembrando que hoje já existem no Brasil resultados de pesquisas de longa duração mostrando milho orgânico com produtividade média superior a 8.000kg/ha usando variedades comuns como o BR106. E são experimentos de mais de 17 anos de duração e em mais de um local.

ESTERCO OU MATÉRIA ORGÂNICA ?

Realmente parece difícil conseguir 10 ton./ha de esterco para cultivar áreas médias e grandes. Para contornar essa dificuldade entra o aprimoramento técnico de quem vai conduzir o processo. Existem sistemas de compostagem que permitem ampliar bastante a disponibilidade de matéria orgânica e a qualidade do produto, e, com maior aprimoramento ainda pode-se utilizar o bokache (espécie de adubo orgânico de origem oriental produzido na própria fazenda). Ao fazer isso a necessidade de esterco cai ainda mais. Outro aliado fundamental , que na Europa sempre foi o principal esteio da grandes produções, é a adubação verde. Mas não da maneira tradicional desenvolvida nos países temperados, e sim com enfoques e manejos muito mais eficientes, adequados as condições tropicais ,e, compatíveis com as necessidades dos sistemas de produção e com as possibilidades do produtor. Seu conceito inclui também, companheirismo entre plantas, invasora escolhida, alelopatia, cobertura viva etc. Mais do que como fonte de nitrogênio, o adubo verde deve então ser usado com um instrumento de múltipla habilidade:
re-estrurador do solo; incorporador de matéria orgânica ao sistema; ativador da vida do solo; controlador de pragas; controlador de ervas nativas por ação alelopática e por abafamento; disponibilizador do fósforo do solo; reciclador de nutrientes lixiviados etc. E isso pode ser feito de forma surpreendentemente simples e acessível ao agricultor.

PRAGAS OU INSETOS ?

Com relação a pragas nota-se que as pessoas em geral tem uma visão tendenciosa, acreditando que esses insetos são inimigos arbitrários das plantas cultivadas e sua simples existência os transforma em pragas inevitáveis. Essa visão é decorrente de uma falha de análise dos sistemas produtivos, por excessiva simplificação dos modelos. Esquecem por exemplo da capacidade de defesa inerente as próprias plantas cultivadas, quando em ambientes não estressados, como são as áreas orgânicas. Esquecem também que foi justamente o uso de herbicidas que acabou gerando todas as condições de desequilíbrio ambiental necessárias para que esses insetos se tornem pragas .E partindo do exemplo de lavouras convencionais, extrapolam o raciocínio de que atualmente em qualquer lavoura sempre haverão pragas! Esquecem que os ambientes orgânicos são absolutamente diferentes em tudo, mesmo se for uma monocultura orgânica! Ou seja: na prática de muitos anos o que se tem observado em lavouras bem conduzidas é a quase nula presença de pragas em níveis de dano econômico, principalmente em culturas rústicas como milho. E alem disso, em eventuais momentos de desequilíbrio, principalmente no período de conversão, existem artifícios que podem ser usados com grande eficiência como a homeopatia, o controle biológico e caldas ecologicamente corretas.

ERVAS DANINHAS OU PLANTAS NATIVAS ?

A grande diferença dos sistemas orgânicos está num enfoque onde as plantas nativas e/ou invasoras passam a ter funções positivas ao invés de negativas. Quando adequadamente manejadas deixam de competir com as plantas cultivadas e passam a exercer ações úteis como: garantir biodiversidade no sistema produtivo; servir de alimento para os insetos; servir de abrigo para predadores naturais de pragas; manter estável a temperatura e a umidade do solo; reciclar nutrientes; adicionar matéria orgânica etc. E para garantir que elas executem essas funções positivas, usam-se instrumentos como adubação verde, roçada parcial, sombreamento dirigido, e até modernos implementos como a roçadeira de linha que auxilia até no plantio direto sem herbicida de grandes áreas de milho, soja ou feijão (mesmo se não for orgânico). Ressalte-se que isso tudo, embora simples e fácil, deve ser bem feito para funcionar. Vale lembrar que a adubação química intensa é um dos grandes colaboradores para aumentar o problema das ervas daninhas, bem como o uso de herbicidas, o que felizmente não existe na agricultura orgânica.

BAIXA OU ALTA PRODUTIVIDADE ?

A outrora chamada agricultura alternativa foi intencionalmente relacionada a baixa produtividade e pouca eficiência. E isso atendia aos interesses da indústria de adubos e venenos agrícolas num primeiro momento, e, da indústria de remédios humanos que se beneficia largamente das doenças oriundas da alimentação contaminada e desequilibrada num perverso ciclo vicioso. Essa idéia de baixa produtividade também se originou do fato de que muitos dos pioneiros de fato não eram verdadeiramente produtores, mas consumidores que por falta de alimentos decentes tiveram que se transformar em agricultores alternativos de fim de semana, e sem nenhum apoio da pesquisa agronômica oficial.
Hoje essa imagem foi por terra. Embora muito haja por se fazer, já existe produção mostrando que é possível ser economicamente eficiente e pesquisa dando suporte a alta produtividade na agricultura orgânica. Já há 15 anos se obtinha cenouras orgânicas com mais de 1 kg no "Hortão do Nasser", projeto onde laranjeiras orgânicas de 3 anos produziam mais do que os laranjais industriais paulistas de mais de 7 anos de idade. Pesquisa de João Carlos Galvão na UFV tem mostrado produtividade com milho orgânico 1.500 kg/ha superior à convencional. O pesquisador Jacimar Souza, da Incaper, realiza talvez o melhor e mais sólido trabalho científico na área de alimentos orgânicos, contando com 13 anos de resultados onde as hortaliças orgânicas apresentaram produtividade média 15% superior e custo 20% inferior comparados com o convencional. Lá a produtividade média do milho supera a marca de 8.000 kg/ha sem precisar recorrer a híbridos de alta genética .
A produtividade de coqueiral no Rio de Janeiro evoluiu de 80 para mais de 200 frutos/pé em menos de 12 meses após nossa assistência técnica. E isso ocorreu simultaneamente a redução de 35% no custo! Na produção de leite e laticínios, simples correções de falhas de manejo costumam trazer resultados surpreendentes que as vezes podem representar "a salvação da lavoura". Vale ressaltar que também no nosso trabalho de controle ecológico de pragas urbanas em Belo Horizonte temos tido resultados superiores ao das empresas que utilizam os tradicionais venenos da grandes multinacionais de agrotóxicos.

VIABILIDADE ECONÔMICA ? MERCADO ?

Em todo o Mundo esse é o mercado que mais cresce, ocorrendo o mesmo no Brasil. E o que tem limitado esse crescimento ainda é a falta de oferta. A falta de pesquisa e ensino nas universidades atrasou muito a entrada de novos produtores, que via de regra tem recorrido a assessoria de técnicos independentes e de produtores pioneiros autodidatas. Entretanto, resultados práticos técnicos e econômicos muito bons já comprovados e a recente entrada de alguns (poucos) pesquisadores e professores na área devem acelerar esse processo. Deve-se ressaltar também a crescente preocupação dos consumidores por alimentos mais sadios. Quanto ao milho, vale ressaltar que por falta de oferta é hoje o principal limitador da expansão da pecuária orgânica, seja de leite ou de frangos e ovos.
Quanto a viabilidade econômica, é de avaliação muito simples. Quando bem feito o manejo, se trabalha com custos mais baixos e decrescentes, obtendo-se produtividade equivalente ou superior, e assim o resultado será sempre positivo. Como em geral existe uma demanda reprimida para orgânicos, a viabilidade econômica é ainda mais segura. O que é preciso em muitos casos é trabalhar esse mercado em função da escala pretendida.

É DIFÍCIL MUDAR ? COMO FAZER ?

Isso é mais ou menos como andar de bicicleta: a pessoa que ainda não aprendeu acha isso quase impossível. Depois acha isso quase tão óbvio quanto caminhar.
Como qualquer processo de mudança, optar por métodos orgânicos exige algum esforço, basicamente o esforço de pensar. Pensar, inclusive, na possibilidade de se tornar um produtor mais independente e feliz, e isso as vezes assusta, mudando de uma agricultura de insumo para uma agricultura de manejo. É importante entretanto um bom assessoramento para que eventuais perdas momentâneas sejam compensadas por crescentes índices econômicos registrados desde o início do processo. E assim orientamos os produtores a fazer a mudança paulatinamente conforme a capacidade do seu sistema de produção, seja ele de milho, leite, fruticultura ou outro setor, lançando mão de todo um conhecimento e experiência desenvolvidos nos últimos 20 anos.

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